Como dói. Já não sei se me dói mais fisicamente se psicologicamente. Não sei quanto mais tempo o aguentarei, mas amo-o, amo-o loucamente, embora saiba também, do mesmo modo, que ele é a minha morte.
Como é que isto foi acontecer novamente? Como?
Estava tudo tão bem. Se o telefone não tivesse tocado. Se o Pedro não tivesse ligado, não estaria aqui, mas nos braços do meu amor.
Assim, apanhei. Apanhei mais uma vez. Ouvi todo o rol de impropérios, ameaças, calúnias e difamações que sempre oiço quando sente ciúmes.
Mas eu sei que ele me ama, que apenas tem ciúmes na mesma proporção em que me ama.
Mas ele também me bate, loucamente, violentamente, sem ver onde, como, porquê.
Mas em cada gesto ele ama-me, diz que me quer só para ele, que sou a coisa mais importante da sua vida, que depende de mim, não o posso deixar.
Acho que tenho, novamente, umas costelas partidas. A dor é a mesma da outra vez. Também devo ter a cara desgraçada. Sinto o odor e a viscosidade do sangue fresco na minha pele, que estica e lateja do inchaço.
Um dia mata-me, mata-me no seu amor, na sua loucura, na sua ânsia de ser só dele. E eu deixo. Ou não deixo?
Já não sei, ou será que sei? Será que apenas não quero ver? Mas ele ama-me, ama-me loucamente.
Loucamente… ele ama-me loucamente, tanto quanto a minha pele o mostra. Mas dói, dói muito.
Acho que tenho de ir ao hospital. Estou pior que da última vez. Última vez, pois foi, deixei lá o meu filho, a minha esperança. Como fui tola. Como pude pensar que podia ter um filho? Ele quer-me só para ele, sem ter de me partilhar.
Matou-o. Matou? Não, foi um acidente, estava louco por mim.
Sinto-me mal, tão mal, como se me operassem sem anestesia. Estou a perder os sentidos, já sei como é. Depois acordo e ele mima-me. Quando acordar já não estarei neste quarto escuro e frio, neste chão gelado e húmido. Acordarei nos seus braços quentes e fortes, com os seus beijos ternos e as suas palavras doces de amor!
Não tarda; sinto que me levam a alma. Como tudo parece estar sereno. Os gritos dele cessaram. Melhor assim.
Já perdi a noção do tempo. Será tarde? Terá comido? Eu não demoro, sinto que estou próxima de ver a porta abrir e ele me levar nos seus braços. Sinto frio, mas…é agora, vou desmaiar, já saio!
Manuela? Querida? Desculpa! Eu não devia, eu sei, mas eu amo-te, tu sabes, eu amo-te! Manuela? Manuela?!?
Ela não acordou, mas saiu do quarto escuro como queria, para nunca mais voltar.
Amo-te loucamente meu amor
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Comentários
Sebastião Barata
Gostei muito deste texto, que nos alerta para um problema muito grave da nossa sociedade: a violência doméstica. Mas não se pense que estas coisas só acontecem hoje. Há mais de 50 anos, uma tia minha era, quase diariamente, vítima de violência física por parte do marido, que a deixava, por vezes, muito maltratada. Quase todos os dias tinha de fugir para casa dos pais. O marido ia lá, chamava todos os nomes feios aos sogros e quase deitava a porta abaixo, a exigir a devolução da sua mulher. Toda a família e amigos tentaram convencê-la a deixá-lo, mas não […] Ler Mais...Gostei muito deste texto, que nos alerta para um problema muito grave da nossa sociedade: a violência doméstica. Mas não se pense que estas coisas só acontecem hoje. Há mais de 50 anos, uma tia minha era, quase diariamente, vítima de violência física por parte do marido, que a deixava, por vezes, muito maltratada. Quase todos os dias tinha de fugir para casa dos pais. O marido ia lá, chamava todos os nomes feios aos sogros e quase deitava a porta abaixo, a exigir a devolução da sua mulher. Toda a família e amigos tentaram convencê-la a deixá-lo, mas não foi possível, porque ela o defendia, dizendo que o seu Manuel era um bom homem. "A culpa era do vinho", dizia ela. A chatice era que ele próprio dizia que "só apanhava uma bebedeira por ano, que começava em 1 de Janeiro e terminava em 31 de Dezembro".Estes casos de mulheres que sofrem violência e nada fazem para o evitar, parecendo até que gostam de sofrer, são, infelizmente, muito frequentes. Read Less